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terça-feira, 23 de fevereiro de 2016

Solilóquio 5: Porque faz com que a sua própria felicidade dependa dos desígnios da fortuna.

Ego - Dessa vez eu não apenas demorei alguns dias para escrever no blog como decaí de toda a disciplina que vinha conseguindo ter. Não fiz nenhuma atividade física, não li direito. Não tenho prosseguido adequadamente nos meus estudos, não estou conseguindo ter horários... enfim... 


Alter Ego - Por quê tudo isso aconteceu?



E - Eu sou comumente invadido por uma sensação estranha de que nada do que eu faço está dando resultado. Sinto que estou atrasado... que não estou chegando a lugar nenhum. Mas na verdade... nem é bem isso...



A - O que é então?



E - O que ocorre primeiro é que eu me sinto cansado da rotina. Eu realmente me enjoo de fazer as coisas e começo a não conseguir manter tudo em ordem. Então, ao perceber que eu estou de novo caindo no mesmo buraco de sempre, isso me deprime e apavora. É nesse momento em que eu paro de me mover para cima que eu então acabo olhando em volta. E aí, quando não fixo mais meu olhar na minha esperança, nos meus sonhos, então eu vejo como as coisas estão agora e isso me deixa horrorizado. Tenho então um desgosto profundo por viver. Mas esse pavor somado ao cansaço me fazem a muito custo voltar a olhar para cima.



A - Para onde você quer ir?



E - Eu não sei de verdade... eu ainda não sei... 26 anos e ainda não sei.



A - Mas existe uma coisa da qual você realmente gosta. É o motivo que lhe leva a produzir hoje esses textos.



E - Sim, eu quero trabalhar dando aulas de filosofia e também como pesquisador. Mas também tenho vontade de produzir de fato filosofia. Isso é mesmo o meu sonho.



A - E isso lhe realizaria?



E - Sim.



A - E como ainda não atingiu a tal alvo, acaba se considerando infeliz.



E - É.



A - Então você é um tolo, um louco...



E - Por quê?!



A - Porque faz com que a sua própria felicidade dependa dos desígnios da fortuna. Você coloca a possibilidade da sua realização lá no futuro, abrindo mão desse seu presente. Na verdade, essa é a questão: você quer fugir do que está aqui.



E - É verdade... eu, ser humano, estou cercado pela transitoriedade. Tudo está em movimento, a minha vida está sendo sugada por aquele mesmo mistério que a deu. E esse movimento me faz ter desespero... não quero perceber que vou, que sou limitado... que não sou deus. Então, fujo do presente que me desespera por não ser palpável e crio um futuro que eu enxergo ao menos na minha própria mente. Mas... essa ilusão que nunca chega faz o agora parecer pior ainda, porque quanto mais olho para lá mais me frustro com isso aqui. Mas como fazer? Desistir de ir? Eu não deveria ter um propósito?



A - Ora, teu propósito é aquilo que lhe escolhe e que é escolhido por você. É aquilo que quando você faz produz na sua alma a sensação de que não há outra coisa para ser feita. Isso você já experimentou, não é?



E - Sim! Eu me sinto assim quando estou pensando as questões a respeito da vida. Quando entro em mim mesmo, como agora, para prescrutar. Acho que para quem faz isso é que se dá o nome de filósofo.



A - Mas se aí está o que você quer, já lhe sendo acessível, porque não descansas e simplesmente exerce isso? Qual é o teu desespero de fato?



E - É que com isso não consigo agora prover-me de sustentação financeira. Não consigo cooperar nos gastos de minha família comigo. Não consigo também ter algum certo conforto. De fato, no aspecto material, minha vida tem sido de penúrias.



A - Mas isso ocorre porque você até hoje não ousou descansar e usar aquilo que aí está, fica sempre esperando o futuro chegar. É necessário deixar o medo e investir naquilo que você ama. Assim é que conseguindo se aprofundar em alguma coisa você irá lapidar um talento com o qual possa conquistar a vida. A tua sociedade é organizada de forma que isso é possível, então, foca! É claro que o tempo passou, mas olhar para isso agora vai ajudar no que? Foca!



E - Mas nem sou apenas eu... todos a minha volta parecem esperar algo... parecem que antes apostaram muito em mim mas agora... apenas assistem ao meu fracasso... 



A - Ou será que na verdade você mesmo antes se alimentava da crença deles, ou seja: só se levava a sério por causa dos elogios. E agora, quando não há mais as palmadas nas costas... quando você já não é mais uma criança madura demais pra sua idade, agora você travou. E no fundo, travou não apenas na exibição mas também no próprio desenvolvimento. Eu diria mesmo que na verdade, agora você mesmo apenas quer assistir seu próprio fracasso: ou não é verdade que na sua mente, ontem mesmo, passou que a morte seria uma boa fuga?



E - Mas eu confesso que de fato tenho estado com medo por me sentir só... mas antes eu nem me sentia acompanhado, apenas mais ou menos admirado... Eu me perdi nisso, me arroguei e mais me admirei do que estudei... eu não deixei de estudar: mas não como devia. E diante... diante de grandes conflitos eu travei por temer perder as considerações da platéia, foi por isso que fugi do colóquio da FLT. É por isso que eu tenho fugido de muita e muita coisa...



A - Então é necessário que você se erga e aceite a solidão. Ela é dura, mas não é possível contar com as multidões. Fique cego, surdo e mudo para as multidões... olhe para aquilo que você sabe que é a única coisa que você tem que fazer e faça. 

quinta-feira, 18 de fevereiro de 2016

Solilóquio 4 - Ainda sobre o comportamento das minhas ideias


Alter Ego - Olá, você demorou uns três dias para voltar a escrever. Aliás, acho que mais, talvez até quatro. O que ocorreu?


Ego - Eu até queria escrever, mas outras coisas simplesmente me impediram.


A - Então precisamos mesmo prosseguir no assunto do Solilóquio 3. Por que afinal, você parece mesmo refém da tirania.


E - Como assim? Sou um cidadão livre, vivo num Estado Democrático de Direito. Não estou sob o poder de nenhum tirano.


A - Mas, talvez o seu verdadeiro tirano esteja governando dentro de você mesmo Veja o que acabou de dizer: Que queria escrever, mas não pôde porque outras coisas o impediram de fazer.


E - Mas me explique uma coisa,  o que você quer dizer com “talvez o seu verdadeiro tirano esteja governando dentro de você mesmo”? Isso quer dizer que estou possuído por algum demônio?


A - Bem, para tentarmos alcançar esse entendimento é interessante que continuemos no ponto em que antes paramos. Vamos ver se você lembra de tudo? Faça aí uma síntese do diálogo até aqui.


E - Eu comecei o terceiro Solilóquio avisando que estava sem saber o que escrever, o que, não obstante, é algo contraditório. Tal tensão se encontra em que quando não é hora de escrever as ideias surgem e pulam alucinadamente na minha mente. Mal as controlo. Gritam, esperneiam e exigem minha atenção. Viro-me e pronto, somem! Essa cena me fez lembrar, contudo, de uma outra, a do garoto de quem minha avó cuida. Ele também ousa atentá-la esperneando, chorando e exigindo que se lhe dê comida. Quando então aquela senhora deixa os seus afazeres, vai a cozinha e prepara o que foi rogado, quando finalmente entrega ao pentelho: ele se recusa a comer. Percebemos então que provavelmente esta ação do garoto tem algo de tirânica. Uma imposição que não levava em consideração a liberdade do adulto. Ora, conforme o Sto Agostinho, esse é um comportamento típico das crianças. Refletindo, percebemos que para combater isso era necessário que surgisse do adulto uma postura tal que fosse amorosa, mas que ajudasse a criança a perceber os limites da sua própria vontade; ou seja, é necessário um adulto que saiba operar o "sim" e o "não".


A - Exatamente. Mas observe agora: também houve no diálogo anterior uma descrição das formas de governo observadas por Platão na sua obra conhecida por “A República”. Na verdade, seguindo tal esquema devemos entender que na tirania há a imposição de um único déspota: não é?


E - Do que eu lembro agora é exatamente isso.


A - E essa imposição vinda de um único tirano parece combinar com o caso do garoto com tua avó. Mas quando falamos das suas ideias o retrato é de várias pessoas dizendo cada uma a sua vontade nenhuma se impôs, contudo, não havia uma ordenação adequada desses impulsos. Isso não parece mais com uma democracia?


E - Olhando bem por esse ângulo sim. Então será que o que falta em mim é na verdade uma hierarquia?


A - Mas uma como a da tirania?


E - Não, nessa o poder surgiria a todo custo. Por guerra e derramamento de sangue de todos, não com base em qualquer critério, senão no que o poder de um único impulso, de uma única pessoa, ou as verdades de uma única ideia deveriam se estabelecer.


A - E como fazer então para que essa hierarquia surja como uma boa monarquia?


E - É necessário para isso que, em primeiro lugar, vivamos segundo aquele princípio do Platão, em que justiça é que cada um faça aquilo que lhe compete fazer. Assim sendo, cada coisa deve ser organizada em mim conforme o seu propósito, de acordo com o seu devido lugar no todo.


A - Percebe a tremenda tarefa que surge agora com a próxima pergunta?


E - Eu já vislumbrei e confesso que a preguiça já até me tentou segurar, mas vamos, prossiga: faça.


A - Então para que possa organizar cada coisa conforme a sua função, é necessário que se pergunte: O que há dentro de ti? Por que afinal, para organizar algo é necessário que se saiba a natureza daquilo com o que se opera. Assim é que não se pode organizar coisas perecíveis e imperecíveis da mesma forma, ou as frágeis e as mais resistentes e etc.


E - Certamente a resposta para isso não será totalmente dada aqui e vai levar a um próximo diálogo. Mas… acho que dentro de mim existem diversos fragmentos. Esses fragmentos são deixados aqui por causa da minha experiência com os diversos fenômenos da vida. Há vozes, cores, cheiros e imagens, há ainda previsões e lembranças, medos e alegrias, vícios e virtudes. Intenções, deveres, interesses e ódios. Mas na verdade… se eu olho bem, bem mesmo, estou vendo o mundo dentro de mim. Vejo meus pais, meus irmãos, parentes. Há locais por onde passei, há pessoas com quem me relacionei. Aqui dentro está até o meu próprio corpo. O meu pênis mesmo, esse tem ocupado realmente um amplo espaço. Vejo minhas mãos, minha barba. Sabe de uma coisa? Dentro de mim está o próprio universo.


A - Explique melhor o que você quer dizer. Parece que está pretendendo que a imagem das coisas que você tem dentro de si mesmo é o mesmo que as coisas.


E - Bem… acho que excedi já o tempo por hoje, mas amanhã é sem falta, juro… continuo o diálogo exatamente deste ponto.


A - Então até amanhã. Mas atente apenas para uma orientação: não se apavore se ainda não foi possível descobri como organizar a sua interioridade. Claro que é um pouco assustador ver o tempo passando e que não é possível esperar até estar pronto para viver. É necessário ir adiante e ler e viver porque há metas para serem cumpridas. Mas lembra que a vida é um presente e não deixe de apreciá-la, mesmo quando parecer que vai tudo mal. Sua existência não é uma equação a ser solucionada, é uma música sendo cantada, e a canção é para agradar a alma: até mesmo se for uma melodia triste.

quarta-feira, 17 de fevereiro de 2016

Solilóquio 3: Uma veia no teu cérebro pode estourar a qualquer momento!


Alter Ego - Falta ideia do que escrever?
Ego - Pois é, basta não ser a hora de escrever e pronto, as ideias me agridem. Fervem, gritam, eu querendo estudar ou fazer outra coisa e não dão trégua... aí eu me sento e quero dedicar-me a elas e pronto. Somem.  Isso me lembra até outra cena.
A - Qual?
E - Lembra aquela garoto de quem minha avó cuida.
A - Você falou dele no primeiro diálogo? Não, foi em outro texto.
E - É verdade. Mas então, ele tem exatamente essa mania. Pede comida ou água, insiste até que alguém dê e, finalmente, quando alguém estende a mão com aquilo que foi rogado, rejeita dizendo que não quer.
A - Ora... será que nesse comportamento encontramos alguma pista para a malcriação das suas ideias?
E - Não sei, mas já que estou pouco criativo hoje, então, prossigamos.
A - Você não devia pensar dessa maneira, "já que...", isso é duma debilidade sem fim. Como uma existência finita pode ousar dizer "já que...": uma veia no teu cérebro pode estourar a qualquer momento... a tua vida está na mão de Deus que é o único que existe de fato: você é uma coisa relativa. Nuvem passageira, flor que nasce de manhã e murcha pela tarde. É bom abrir os olhos, ou se abre para a eternidade ou morrerá sem nunca ter vivido.
E - Você tem toda razão. Não irei nesse "já que" e sim com a mentalidade do sábio que orientou a que todo trabalho fosse realizado com primor, porque lá, na cova para onde desceremos: não há nenhum labor. Vamos então, enquanto é dia, a noite já vem.
A - Isso é que é falar! Voltemos agora à contemplação daquele garoto. Será que também é um garoto dentro de ti que faz essas malcriações de espernear e desejar num momento para noutro rejeitar?
E - Talvez sim, talvez seja afinal ainda uma meninice em mim.
A - E aquilo que dizia o Sto Agostinho nas Confissões? Lembra como ele mesmo disse que as crianças choram numa tentativa de tiranizar os adultos?
E - Recordo.
A - É assim que, confessa o grande Pai da Igreja, quando lhes é negado o acesso a algo, choram e berram, numa forma de torturar os adultos.
E - De uma forma verdadeiramente irritante.
A - E assim agem sem qualquer análise do mérito daquilo que se lhes nega. Ainda que um adulto afaste aquilo que lhes faria mal elas ainda se revoltam.
E - Assim é.
A - Portanto, querem impor sua própria vontade a todo custo.
E - Realmente.
A - Não é algo parecido que lhe ocorre? Quando está tentando ler, ou trabalhar, ou fazendo qualquer outra coisa, as suas ideias não choram, esperneiam e exigem a todo custo que sejam atendidas?
E - É exatamente.
A - Aquele garoto, porém, de quem sua avó cuida, quando vai receber aquilo pelo que esperneou, rejeita, fazendo do esforço dos adultos vãos.
E - Perfeitamente.
A - Não seria isso então apenas mais uma forma de tirania? Não vem a mente os atos de alguém que é dono de tudo, das pessoas, do seu tempo e de seus recursos? Alguém que se acha no direito de utilizá-los como bem quiser?
E - Mas será que não seria apenas carência afetiva?
A - Carência certamente o é. Aliás, é exatamente isso, é o desejo, ou a vontade de potência, o problema é que está sem limites.
E - Mas como limitar os desejos de uma criança? Negando-lhe o que quer? Simplesmente virando as costas? Não deve se dispensar um trato diferente do que um adulto receberia?
A - Na verdade, a criança deve primeiro contar com a presença de alguém em suas vidas, que as ame de verdade. E desse amor deve se originar o "não" e o "sim". Deve-se mirar o bem do pequenino. Nem matando seu desejo pelo excesso da negação e tão pouco permitindo que acredite ser um deus onipotente. A criança deve saber que quem governa ela não são seus ímpetos, nem os dos adultos: antes, é tudo feito conforme a razão. Para que a vida torne-se longa, boa e bela.
E - Vem a minha mente agora os argumentos de Platão, a respeito das formas de governo. Lá na República, ele fala que são quatro: A monarquia, a aristocracia, a democracia e a tirania.
A - E por que isso lhe veio à mente?
E - É que os atos da criança me lembram, sem dúvida, a tirania. Ela simplesmente quer impor suas vontades. É o pior tipo de governo segundo o Filósofo. E seria esse o caso se um adulto não devesse permitir que a criança reine, caso isso devesse ser cumprido por uma simples imposição arbitrária de vontade, mas, por meio da razão, na verdade ocorreu-me que assim estávamos na melhor forma de governo, a monarquia. Dessa forma livramo-nos de  que entre criança e adulto ocorra uma mera luta por poder, que não passaria de um despotismo.
A - Apenas por curiosidade, como seria a democracia?
E - Seria um pouco melhor, mas aí adulto e criança seriam iguais. Tudo seria escolhido pelo voto, ignorando-se que ao adulto pertence a sabedoria e que a criança na verdade não sabe de nada. Cada um teria o mesmo valor para decidirem o destino.
A - Que absurdo seria! Mas e se fosse uma aristocracia?
E - Talvez aí ocorra o governo do adulto, que é a "elite". É diferente porque não se é governado mais pelos vícios e pelo despotismo como na tirania. Mas agora acontece que a criança é conduzida segundo a honra, a grandeza, pelos valores do adulto. Esse não é um mau governo. Mas a questão é que o outro é ainda melhor.
A - A monarquia?
E - Sim. Nela nem a criança e nem o adulto governam, mas apenas a razão. É confuso porque aqui a aristocracia ficou parecendo a monarquia, já que o adulto administraria conforme sua melhor aptidão para o saber, por causa da sua já desenvolvida fisiologia e por causa da já acumulada experiência de vida. A adaptação é difícil de se operar porque estamos tratando apenas com esse par, a criança e o adulto. Mas na verdade, parece-me que a aristocracia tem a ver com o governo daqueles que demonstram maior valor, honra, destreza. Mas o rei, segundo o modelo platônico, é o rei-filósofo. É aquele que ama a sabedoria. Logo, ali o referencial não é ele mesmo, mas sim a verdade. Quando é assim que acontece, quando a sabedoria é que tudo orienta, então o adulto olha para a razão e busca julgar a si mesmo e a criança com equidade.
A - Mas retornando ao nosso assunto, ficou dito que para aquela criança era necessário o sim e o não que decorressem do amor. Certo?
E - Certo.
A - E a isto tu julgas ser sábio ou tolo?
E - Muitíssimo sábio.
A - Então, é necessário que a tirania seja ali vencida pela monarquia.
E - Corretamente. Mas meu caro, meu novo e velho amigo: peço perdão, mas preciso dormir.
A - Vá, boa noite. E se Deus assim conceder, amanhã continuaremos este trabalho.
E - Você dorme?
A - Vá dormir! Depois falamos.
E - Isso é um não?
A -
E - Parou de falar comigo?
A -
E - então tá, tchau.


A-.

segunda-feira, 15 de fevereiro de 2016

Solilóquio 2: O Logos Está no Trono

Ego - a solidão é um tema que me toca muito. Julgo-me um ser humano mais solitário que a média. De fato, eu sempre fui meio isolado...
Alter Ego - Mas o que ideia tens do que seja solidão?
Ego - agora não possuo qualquer dicionário junto a mim, assim sendo, não posso fornecer nada mais preciso. Certamente seria muitíssimo fascinante saber sobre a etimologia de tal palavra. Mas, olhando para dentro de mim, acho que quando uso tal termo eu tento descrever um certo frio... um frio que às vezes certas companhias conseguem afastar de mim... mas que é tão fugaz esse momento e que parece, depois que se vai, tornar o frio ainda mais intenso por causa da lembrança e da esperança de um novo calor. De uma nova presença. A solidão é isso, é essa sensação de ruptura com todos os que me são semelhantes.
Alter Ego - Não sei como prosseguir. Tuas palavras não podem ser contestadas.  Porque se tu dizes que assim lhe parece: O que se pode opor a isso? Como se verificaria a veracidade do que falas? Não posso dizer que assim não te parece.
Ego - Mas será que ao invés de colocar à prova a minha definição, não seria de bom senso que nos aprofundássemos nela para melhor compreender essa sensação? Para que possamos perceber qual é o lugar que ela ocupa na interioridade: a que se deve e para que serve.
Alter Ego - Mas como fazer isso? Qual tipo de teórico poderia nos ajudar agora?
Ego - Talvez um psicólogo, um psicanalista... não sei: mas não tenho o menor desejo de recorrer a eles agora. Nesse momento eu quero ser livre: mergulhar em mim e ir construindo com a minha própria linguagem.
Alter Ego - E tu pretendes publicar isto naquele blog?
Ego - Certamente.
Alter Ego - Não tens medo de parecer ridículo?
Ego - Eu até tenho, por isso que me fazes tal pergunta. Mas, fazes porque eu quero enfrentar isso. Na verdade, o ridículo seria pretender  que os meus escritos sejam tidos como palavras de um especialista ou finais a respeito dos assuntos que aqui trato. Não é isso que almejo.
A - E o que miras com estes escritos?
E - Apropriar-me. Saber para mim e por mim. Entender, prescrutar o mundo.
A - Então o soliloquio é na verdade algo que se cultiva na solidão?
E - Pois certamente. É a minha conversa comigo mesmo. É o momento mais importante do diálogo conforme aquele grande mestre, o Soren Kierkegaard, o da apropriação.
A - Desenvolva mais um pouco esse ponto entre o diálogo e a apropriação: que tem a ver uma coisa com a outra?
E - O diálogo é o momento comunitário. Nesse instante ouço o outro falar. Mas o falar é todo complicado. Já diria o Sto Agostinho que o homem, ao contrário de Deus, não pode realizar-se na sua própria palava - apenas Deus está plenamente em seu Logos, e isso se dá porque o ato de falar é todo complicado. Primeiro porque a palavra nada é senão um sinal daquilo a respeito do que se exprime: o homem não é a palavra "homem". Assim sendo, a palavra não ensina, apenas a realidade ensina. A palavra apenas aponta. Por isso o momento da apropriação é o mais importante de todos: Nele a tarefa é olhar para aquilo que a palavra pretende indicar. Por outro lado, na apropriação, não pretendo apenas olhar para a palavra de forma isolada: mas a partir do todo do que se dizia, do contexto, para que se averigue também se a pessoa utilizou uma palavra que descrevia mais do que pretendia ou se na verdade deveria ter sido mais específica, ou ainda se era coerente outro vocábulo.
A - Mas então o solilóquio decorre necessariamente como uma necessidade para se desencadear melhor os diálogos entre os homens?
E - Certamente. Mas também o solilóquio é um diálogo, um que ocorre em minha própria interioridade. E nesse movimento, além de buscar apurar com clareza o que ouço, desejo também melhor observar o que digo: porque afinal de contas, não sabendo dialogar comigo mesmo, como poderei abrir-me a um outro? Caso não nos entendamos aqui dentro desse solilóquio, restará apenas uma gritaria, um falar tudo sem saber o que se diz. Assim, em meio ao caos das palavras meramente lançadas a única forma de se realizar algo será por meio da tirania. E assim já tem sido, de fato: eu mesmo tenho sido o tirano. E agora quero despojar-me, que se sente no trono, no centro: o Logos. Que tudo seja assim, visto aqui, para que por sua luz tudo se harmonize.
A - Para o solilóquio é necessário a solidão?
E - Hummm... sim, é.
A - E nessa solidão é que podes conhecer a ti mesmo?
E - De fato.
A - E apenas conhecendo a ti mesmo estarás apto e pronto para olhar para outrem?
E - Não poderia negar com tudo o que disse até agora.
A - Então, é na solidão que estas verdadeiramente contigo mesmo, com o outro e com o Logos?
E - Agora percebo que isso é muito claro.
A - Então a solidão é o momento da mais alta companhia?
E - Com certeza.
A - Então, já que é tão bom, porque não te retiras para o deserto? Construa uma torre e não desça mais dela.
E - Zombas de mim: primeiro me faz experimentar a alegria de uma reconciliação com a solidão. Eis aí, o frio é que era quente. Mas agora, lança-me um escarnio t... Mas para isto estamos aqui, eu agradeço. Mas bem, a solidão não é um estado que possa ser constatado por uma ciência natural. Ela pertence totalmente ao espírito. É algo que apenas se experimenta na contradição, no paradoxo: lá onde nada se equaliza. A solidão é a dúvida, é a dor, é a angústia: é aquilo que não suporta a síntese. Ou seja, não pode ser nada senão a "conditio sine qua non" do indivíduo.
A - Mas você dissestes no início do diálogo que algumas almas faziam-te sentir alívio em relação à solidão.
E - É verdade... mas talvez eu mesmo estivesse mentindo. Talvez elas me distraiam apenas, porque no fundo, mesmo quando estou com alguém eu sempre sei da minha solidão: da minha ruptura. De como que embora ao lado aquela pessoa está infinitamente distante. Ninguém que me abrace ou que se una a mim no ato sexual, ninguém consegue experimentar a minha interioridade: parece que apenas eu sei... eu sou um mistério para o outro e para mim mesmo. Não um segredo, nesse caso seria apenas uma questão de esforço para descobrir: mas o que tem aqui dentro é inexprimível. Por isso é mistério. E isso me amedronta, eu sinto que isso quer me encontrar: que deseja algo de mim e que para tal exige-me um despir-me, uma suspensão da realidade humana. É uma presença que quer ser enfrentada sem palavras, mas que para isso não posso chegar mudo. Antes, ela mesma quer vencer-me, ela me desafia, questiona-me... olha-me fría, idiferente, mas quente e pulsante. Ela me atraí e me espanta, é fascinate é atemorizante.
A - Não seria melhor construir a tua torre logo? Fuja da convivência!
E - Não... porque isso que está em mim também me faz querer e não querer os outros seres humanos que estão em volta. Por que também estes são um mistério e desejo penetrar neles, desejo deixar de ser quem sou para ser quem amo. Mas, deixar de ser quem sou ainda mais me espanta, atemoriza-me e assim... eu me afasto. Quanto mais amo alguém mais me afasto, quando quero eu fujo, quando me interesso nem olho. E quando vou, vou como quem não quer ir, aproximo-me e me afasto afastando quem quer que seja. No fim, a solidão me vence.
A - Mas agora voltastes a ver a solidão como algo ruim. Será que é a solidão que te está vencendo ou tu estás sempre tentando vencê-la? Porque não te entregas? Agora a pouco você contemplou e percebeu, essa solidão na verdade não é o frio, é o calor. Desejas que tudo pare, que a angústia suma, que a dor se apague, que o medo se esconda. Mas, será que não é por causa dessa fuga que a tua interioridade se bagunça, que acabas não conseguindo ouvir mais ninguém? Não é porque tens medo do medo e fugindo do fugir gasta energia com o nada?
E - Sim, amigo. Eu na verdade estou aqui para isso. Quero olhar, ouvir, degustar e sentir. Mas não com os sentidos físicos, quero antes me despertar com o espiritual. Purificar os meus olhos, limpar o meu coração. Por isso entrego-me a essa senda. E agora, no meu próprio peito ele queima: eu sei que a presença de Jesus está nos guiando, o Logos está no trono!

quinta-feira, 4 de fevereiro de 2016

Solilógio 1: Então eia! Adiante!


Ego - Eu tenho um desejo, um verdadeiro sonho: dedicar-me ao labor filosófico. Quer por meio da escrita, quer pela oralidade. Quer vivendo, quer trabalhando. Claro que trabalhar está contido em viver, mas é que nem todas as profissões exigem uma integral dedicação quanto esta.
Alter Ego - E por que tu desejas isso?
E - Por causa daquilo que eu acredito ser o papel do filósofo: superar as aparências, não viver como o comum dos homens que dormem. Antes, buscar a sabedoria. E não no intuito de que saiba mais que todos, ou mesmo, para estar arrogantemente acima deles. Afinal, como morre o tolo morre o sábio.
A - Ora, para que então pensas que seja bom buscar a sabedoria?
E - Eu penso que a sabedoria deve ser buscada tão somente por causa dela mesma. Apenas porque é bela. Há um prazer em amá-la que me toma tão profundamente, não é só intelectual, é integral. Arrebata-me de tal forma que desejo encontrá-la em cada recôndito dessa existência. Quando faço isso sinto como se um calor tão ardente quanto o do sol, tão claro como o seu surgir na alvorada, invadisse o meu ser. Quando vou ao seu encontro eu sei que esse é o único mergulho para o qual eu nasci. É de tal forma que dedicar-me a qualquer outra coisa me enjoa.
A - Mas tu mesmo dissestes que é um prazer encontrá-la em cada recôndito da existência. Por acaso dissestes isso por imaginar que a sabedoria não se pode encontrar apenas na acadêmia?
E - De fato, é assim que penso.
A - Em que outros lugares é possível encontrá-la?
E - A sabedoria se revela onde há espírito, ou seja: onde quer que haja um ser capaz de apropriação em sua interioridade, de conciliar o movimento dos astros com seu anseio por bem-aventurança.
A - Mas então, não há qualquer ocasião debaixo do sol a qual tu não consideres útil para quem ama a sabedoria. Não é isso?
E - Certamente.
A - Então, porque dizes que fazer qualquer outra coisa que não a dedicação a ela te enjoaria? Acaso, há um momento em que poderias não te dedicares a ela? Ou seja, porque tens de ser um filósofo? Porque não fazer um concurso público? Afinal, ter estabilidade financeira e nem tua ida às provas te desviaria do caminho da Bem-aventurança.
E - Ora... Eu sei que mesmo que eu estivesse lá isso não seria desculpa para que eu não me dedicasse à sabedoria. Mas, da mesma forma, não desculparia a alguém que tivesse fome e não preparasse o seu alimento, ou que tendo uma alma não queira saber do Espírito. Todavia, haverá alguém que amando a gastronomia, tornar-se-á um  gastrônomo. Assim sendo, embora a todos também não seja desculpável que não amem ao saber, a mim isso afeta de tal modo que quero tornar-me um filósofo.
A - Mas há uma interessante diferença. Porque na verdade, ao gastrônomo compete o trabalho da cozinha. Assim sendo, é-lhes necessário dedicarem-se a um comodo, a um ambiente, por determinado tempo. Mas a sabedoria por estar em todo lugar possibilita ser encontrada tanto na cozinha, na sala de aula ou no interior de um cômodo. Assim sendo, dela poderias ocupar-te ainda que fosses um técnico judiciário do Supremo Tribunal Federal, ou até um acadêmico.
E - Permites que eu busque uma ilustração que talvez faculte-me dizer o que pretendo? É que agora não encontro bem as palavras.
A - Claro, adiante.
E - A biologia é o estudo da vida?
A - Certamente.
E - Mas a biologia não é a vida, mas o estudo da vida.
A - Concedo.
E - Então também a biologia é algo que surge apenas através de um espírito que está lá para analisar e sistematizar os dados que colhe. Não é isso?
A - Como poderia ser de outra forma?
E - Mas a vida se encontra em praticamente todos os nossos cômodos, mas sem dúvida alguma: também nos órgãos públicos, por incrível que pareça, as pessoas que lá trabalham são vivas.
A - Tome cuidado com essas alfinetadas, sabes que neste país é inevitável acabar caindo nas mãos de um funcionário público. Por exemplo, estás precisando da segunda via do seu Certificado de Alistamento Militar.
E - Bem... fazer o quê? Eu não penso mesmo que todos os funcionários sejam assim tão parados: mas infelizmente, não é verdade sobre a maioria. E tanto é que a maioria dos que sonham com concursos apenas o fazem porque desejam ser tão sossegados quanto os que lá estão. Nunca vi alguém dizer que deseja fazer um concurso público para trabalhar ou para servir à pátria, mas apenas para ganhar grandes salários e trabalhar pouco. Assim sendo, é necessário que recebam algumas alfinetadas.
A - … prossigamos com o nosso assunto.  Eu concedo que há gente viva nos órgãos públicos...
E - Então por acaso alguém se tornaria um biólogo apenas de ir para lá todos os dias e de contemplar os animais que lá trabalham?
A - Agora passastes do limite, alguém poderá te processar. Porque falas que são animais os que lá trabalham?
E - Não te preocupes. Estou falando naquele sentido em que o S. Anselmo de Cantuária apresentou na obra "O Gramático". Aqui, animal é substância sensível animada. Eu usei o termo para ressaltar exatamente esse aspecto, o da vida.
A - Então é certo. Mas é errado que se tornaria biólogo alguém que apenas os contemplasse.
E - Mas por acaso não acumularia informações necessariamente úteis a respeito dos homens? Por acaso apenas de observá-los em qualquer lugar não saberia o que comem? Vivendo entre eles e sendo um deles, não poderia dizer nada sobre seus corpos? E sobre o tempo de vida que geralmente vivem?
A - Sim, poderia.
E - Mas então essa pessoa não poderia ser chamada de bióloga por haver acumulado um tal saber a respeito da vida?
A - Não.
E - Por quê?
A - Porque ela possuiria um certo saber, porém fragmentado. Mas a Biologia pressupõe sistematização, uma organização que gere um edifício sólido a partir de uma fundamentação epistemológica. A partir de uma metodologia rígida, de um objeto de pesquisa. Além disso, o saber do homem que simplesmente possua experiência ampla com os diversos animais deste planeta seria algo não muito seguro, talvez muito eficaz porém pouco eficiente: isso  porque não compreende de fato os mecanismos daquilo com que lida. Já o biólogo possui maior lucidez, embora, talvez não conheça os mesmos fenômenos que o homem comum.
E - Concordo plenamente. E por acaso a experiência de alguém que lide também sem uma pretensão mais rígida com a sabedoria, isto é: acumulando experiências sem importar-se com a sua devida articulação, esse também não deveria ser chamado de filósofo. É necessário que além de buscar o saber que se busque de forma organizada, é necessário saber então distinguir os saberes para que torne-se claro o seu lugar, sua utilidade, sua participação no todo. É necessário portanto ter olhos, ouvidos, tatos e paladar devidamente afinados. Ora, esse campo que é muito mais complexo que o da Biologia, esse caminho que todos morrem sem conseguir trilhar, exige tamanha perícia como nem a de um cirurgião. É então necessário uma dedicação tão profunda quanto a que o biólogo dispensa aos seus estudos.
A - Mas então, o que tu dirias de Marco Aurélio? Não foi ele um filósofo?
E - Sim, foi.
A - Mas não era Imperador? E não ia às guerras e administrava Roma? Por acaso, como funcionário público teria tanto mais ocupações que ele ao ponto de não poder se dedicar ao mesmo que ele se dedicou?
E - Bem, na verdade, não seria impossível. Mas, caso não me engane, creio que o próprio Sêneca disse que o Imperador almejava muito dedicar-se integralmente a este outro e verdadeiro labor, o filosófico. Não seria impossível trabalhar num órgão público, afim de receber o salário todo mês, sendo estável e etc. Mas, isso não me alegra, não almejo. E por mais que seja mais difícil trilhar o caminho de agora buscar a formação filosófica de uma maneira mais focada, de buscar ganhar experiências dando aulas mesmo e etc. Eu prefiro.
A - Então, muito mais que qualquer motivo racional, o que te move é teu desejo.
E - Sim, é meu desejo. Mas nem por isso é irrazoável.
A - Bem, não o é. Mas, tens de ter certeza. Estas a escolher o caminho mais difícil e é necessário que de uma vez por todas não voltes para trás. É importante ir adiante. Chega de ser vacilante. Você já é um adulto e é tempo de ter um rumo.
E - É verdade. De agora em diante, não volto atrás. Pode ser que no futuro eu queira experimentar qualquer outra coisa, mas meu objetivo é tornar-me catedrático de Filosofia. Sim, almejo a universidade.
A - Então eia! Adiante!