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segunda-feira, 15 de fevereiro de 2016

Solilóquio 2: O Logos Está no Trono

Ego - a solidão é um tema que me toca muito. Julgo-me um ser humano mais solitário que a média. De fato, eu sempre fui meio isolado...
Alter Ego - Mas o que ideia tens do que seja solidão?
Ego - agora não possuo qualquer dicionário junto a mim, assim sendo, não posso fornecer nada mais preciso. Certamente seria muitíssimo fascinante saber sobre a etimologia de tal palavra. Mas, olhando para dentro de mim, acho que quando uso tal termo eu tento descrever um certo frio... um frio que às vezes certas companhias conseguem afastar de mim... mas que é tão fugaz esse momento e que parece, depois que se vai, tornar o frio ainda mais intenso por causa da lembrança e da esperança de um novo calor. De uma nova presença. A solidão é isso, é essa sensação de ruptura com todos os que me são semelhantes.
Alter Ego - Não sei como prosseguir. Tuas palavras não podem ser contestadas.  Porque se tu dizes que assim lhe parece: O que se pode opor a isso? Como se verificaria a veracidade do que falas? Não posso dizer que assim não te parece.
Ego - Mas será que ao invés de colocar à prova a minha definição, não seria de bom senso que nos aprofundássemos nela para melhor compreender essa sensação? Para que possamos perceber qual é o lugar que ela ocupa na interioridade: a que se deve e para que serve.
Alter Ego - Mas como fazer isso? Qual tipo de teórico poderia nos ajudar agora?
Ego - Talvez um psicólogo, um psicanalista... não sei: mas não tenho o menor desejo de recorrer a eles agora. Nesse momento eu quero ser livre: mergulhar em mim e ir construindo com a minha própria linguagem.
Alter Ego - E tu pretendes publicar isto naquele blog?
Ego - Certamente.
Alter Ego - Não tens medo de parecer ridículo?
Ego - Eu até tenho, por isso que me fazes tal pergunta. Mas, fazes porque eu quero enfrentar isso. Na verdade, o ridículo seria pretender  que os meus escritos sejam tidos como palavras de um especialista ou finais a respeito dos assuntos que aqui trato. Não é isso que almejo.
A - E o que miras com estes escritos?
E - Apropriar-me. Saber para mim e por mim. Entender, prescrutar o mundo.
A - Então o soliloquio é na verdade algo que se cultiva na solidão?
E - Pois certamente. É a minha conversa comigo mesmo. É o momento mais importante do diálogo conforme aquele grande mestre, o Soren Kierkegaard, o da apropriação.
A - Desenvolva mais um pouco esse ponto entre o diálogo e a apropriação: que tem a ver uma coisa com a outra?
E - O diálogo é o momento comunitário. Nesse instante ouço o outro falar. Mas o falar é todo complicado. Já diria o Sto Agostinho que o homem, ao contrário de Deus, não pode realizar-se na sua própria palava - apenas Deus está plenamente em seu Logos, e isso se dá porque o ato de falar é todo complicado. Primeiro porque a palavra nada é senão um sinal daquilo a respeito do que se exprime: o homem não é a palavra "homem". Assim sendo, a palavra não ensina, apenas a realidade ensina. A palavra apenas aponta. Por isso o momento da apropriação é o mais importante de todos: Nele a tarefa é olhar para aquilo que a palavra pretende indicar. Por outro lado, na apropriação, não pretendo apenas olhar para a palavra de forma isolada: mas a partir do todo do que se dizia, do contexto, para que se averigue também se a pessoa utilizou uma palavra que descrevia mais do que pretendia ou se na verdade deveria ter sido mais específica, ou ainda se era coerente outro vocábulo.
A - Mas então o solilóquio decorre necessariamente como uma necessidade para se desencadear melhor os diálogos entre os homens?
E - Certamente. Mas também o solilóquio é um diálogo, um que ocorre em minha própria interioridade. E nesse movimento, além de buscar apurar com clareza o que ouço, desejo também melhor observar o que digo: porque afinal de contas, não sabendo dialogar comigo mesmo, como poderei abrir-me a um outro? Caso não nos entendamos aqui dentro desse solilóquio, restará apenas uma gritaria, um falar tudo sem saber o que se diz. Assim, em meio ao caos das palavras meramente lançadas a única forma de se realizar algo será por meio da tirania. E assim já tem sido, de fato: eu mesmo tenho sido o tirano. E agora quero despojar-me, que se sente no trono, no centro: o Logos. Que tudo seja assim, visto aqui, para que por sua luz tudo se harmonize.
A - Para o solilóquio é necessário a solidão?
E - Hummm... sim, é.
A - E nessa solidão é que podes conhecer a ti mesmo?
E - De fato.
A - E apenas conhecendo a ti mesmo estarás apto e pronto para olhar para outrem?
E - Não poderia negar com tudo o que disse até agora.
A - Então, é na solidão que estas verdadeiramente contigo mesmo, com o outro e com o Logos?
E - Agora percebo que isso é muito claro.
A - Então a solidão é o momento da mais alta companhia?
E - Com certeza.
A - Então, já que é tão bom, porque não te retiras para o deserto? Construa uma torre e não desça mais dela.
E - Zombas de mim: primeiro me faz experimentar a alegria de uma reconciliação com a solidão. Eis aí, o frio é que era quente. Mas agora, lança-me um escarnio t... Mas para isto estamos aqui, eu agradeço. Mas bem, a solidão não é um estado que possa ser constatado por uma ciência natural. Ela pertence totalmente ao espírito. É algo que apenas se experimenta na contradição, no paradoxo: lá onde nada se equaliza. A solidão é a dúvida, é a dor, é a angústia: é aquilo que não suporta a síntese. Ou seja, não pode ser nada senão a "conditio sine qua non" do indivíduo.
A - Mas você dissestes no início do diálogo que algumas almas faziam-te sentir alívio em relação à solidão.
E - É verdade... mas talvez eu mesmo estivesse mentindo. Talvez elas me distraiam apenas, porque no fundo, mesmo quando estou com alguém eu sempre sei da minha solidão: da minha ruptura. De como que embora ao lado aquela pessoa está infinitamente distante. Ninguém que me abrace ou que se una a mim no ato sexual, ninguém consegue experimentar a minha interioridade: parece que apenas eu sei... eu sou um mistério para o outro e para mim mesmo. Não um segredo, nesse caso seria apenas uma questão de esforço para descobrir: mas o que tem aqui dentro é inexprimível. Por isso é mistério. E isso me amedronta, eu sinto que isso quer me encontrar: que deseja algo de mim e que para tal exige-me um despir-me, uma suspensão da realidade humana. É uma presença que quer ser enfrentada sem palavras, mas que para isso não posso chegar mudo. Antes, ela mesma quer vencer-me, ela me desafia, questiona-me... olha-me fría, idiferente, mas quente e pulsante. Ela me atraí e me espanta, é fascinate é atemorizante.
A - Não seria melhor construir a tua torre logo? Fuja da convivência!
E - Não... porque isso que está em mim também me faz querer e não querer os outros seres humanos que estão em volta. Por que também estes são um mistério e desejo penetrar neles, desejo deixar de ser quem sou para ser quem amo. Mas, deixar de ser quem sou ainda mais me espanta, atemoriza-me e assim... eu me afasto. Quanto mais amo alguém mais me afasto, quando quero eu fujo, quando me interesso nem olho. E quando vou, vou como quem não quer ir, aproximo-me e me afasto afastando quem quer que seja. No fim, a solidão me vence.
A - Mas agora voltastes a ver a solidão como algo ruim. Será que é a solidão que te está vencendo ou tu estás sempre tentando vencê-la? Porque não te entregas? Agora a pouco você contemplou e percebeu, essa solidão na verdade não é o frio, é o calor. Desejas que tudo pare, que a angústia suma, que a dor se apague, que o medo se esconda. Mas, será que não é por causa dessa fuga que a tua interioridade se bagunça, que acabas não conseguindo ouvir mais ninguém? Não é porque tens medo do medo e fugindo do fugir gasta energia com o nada?
E - Sim, amigo. Eu na verdade estou aqui para isso. Quero olhar, ouvir, degustar e sentir. Mas não com os sentidos físicos, quero antes me despertar com o espiritual. Purificar os meus olhos, limpar o meu coração. Por isso entrego-me a essa senda. E agora, no meu próprio peito ele queima: eu sei que a presença de Jesus está nos guiando, o Logos está no trono!

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